A sala de ciências já estava bem "animada" às sete
da manhã. Um aluno, com a energia típica de quem acabou de descobrir o botão
"desafio", questionava a relevância da tabuada em plena era digital.
"Professor, por que eu tenho que decorar a tabuada?", indagou ele,
com a sinceridade de um rio que ainda não aprendeu a contornar pedras.
Eu, que não sou mestre em matemática, pensei na resposta
padrão: "A tabuada é a base, sem ela, você não saberá se está sendo
enganado no mercado". Mas, como um pássaro que decide testar a teoria da
gravidade, deixei o desabafo dele flutuar no ar.
E ele continuou, "Professor, com um celular no bolso,
quem precisa de tabuada?". Não pude deixar de sorrir internamente. A
juventude, sempre pronta para subverter as ordens estabelecidas, não percebe
que a tabuada é apenas o começo de um universo muito maior.
Porque, sim, a matemática é mais que somente a base. Ela é a
espinha dorsal de todo o conhecimento científico e tecnológico. Sem ela, a
biologia não desenha gráficos, a física não faz cálculos de trajetórias, e a
química não explica reações. A matemática é a língua universal que a natureza
fala, e nós, humanos, estamos apenas começando a aprender o alfabeto.
Mas eu não dei essa resposta. Em vez disso, me lembrei de um
episódio de minha vida estudantil, quando questionei meu próprio professor
sobre a utilidade das funções matemáticas. Ele respondeu com uma eloquência que
não se traduzia em prática. "A matemática tem que ter um fim prático, se
ela não representar a realidade, não será útil", disse ele, enquanto me
fazia decorar uma série de fórmulas que pareciam ter sido criadas para o prazer
de deuses mais velhos e mais sábios.
E, como um astronauta em um planeta desconhecido, me vi
calculando funções polinomiais, exponenciais, logarítmicas, entre outras
torturas, sem saber ao certo por que estava fazendo aquilo. A realidade,
naquela época, era tão abstrata quanto uma tese de Piaget para um bebê.
Agora, tempos depois, eu vejo o estudo da matemática no
Brasil como um quebra-cabeças gigante, onde cada pedaço parece não se encaixar
no todo. Como um biólogo, não sou o mais qualificado para julgar a eficácia do
método, mas posso ver que algo está errado quando os alunos não conseguem
encontrar significado naquilo que estudam.
E aí, o destino coloca um ex-aluno no meu caminho, agora um
estudante de engenharia da computação, entusiasmado com a matemática.
"Professor, hoje em dia, não começamos nada do zero. Para criar uma
calculadora científica, não precisamos saber tabuada, alguém já fez isso antes
e deixou tudo pronto. Só precisamos adicionar alguns códigos!".
Fiquei pasmo. A realidade é que a matemática está em
constante evolução, e a tabuada memorizada talvez não revele a potencialidade
de um aluno. Quem sabe o estressado com a tabuada não se tornará um gênio da
programação?
A questão não é a tabuada em si, mas o que ela representa: a capacidade de pensar de forma crítica e criativa. O desafio é fazer com que os estudantes vejam que, mesmo com um celular no bolso, há muito mais entre o "1+1" e o "f(x)" do que pode ser representado por um aplicativo.